Janelas cor de vinho em Feng Shui estudado, caixilhos bordeaux, estores brancos empoeirados e
um homem que se vê do outro lado da rua bebericam champanhe sem borbulhas. Portas
axadrezadas com 7 chacras alinhados fumam ganzas com prazer. Mães adolescentes
brincam com a pilinha enquanto novas e os filhos que destas nascem procriam
muito e novos também. Arquitectos chungas mascam merda. Entredentes, o brilho
na boca de um romeno deixa ver metal. Fotos amontoadas cruzam planos… Do sofá
azul da sala, vejo o dia a amanhecer. Adormeço quando autómatos comem à dita
hora de almoçar. Recuso a lavagem cerebral. O condicionamento. Plantas crescem
entre folhas que caem. Besouros resistem no jardim.
À
espera que deixe de chover para ir ao Centro de Emprego, embrulhado no cobertor
que me protege do frio, aquecido pelo bagaço que bebo, abro o guarda-chuva
porque chove. Lá fora o dia arrasta-se, o Sol compacta dióxido de carbono e
comprime o tempo, bebidas aquecem no metal da esplanada. À espera de ir ao
Centro de Emprego, olho lá para fora. Joga-se às cartas. Na mão, a carta oculta
perde o valor no baralho, assim diz o raciocínio do jogo, estrada! Escapes
passam de um lado para o outro. O metal cruza a paisagem. Carros de famílias chic passam a 20 à hora pelo asfalto
dificultando o tráfego. O metal do escape brilha. O autocarro…
Cadelas em matilha em busca de cão cruzam a estrada.
Levanta-se
o vento.
Voam
cartas da mesa. O vento derruba o champanhe, copos e taças. Ouve-se o
estilhaçar do vidro contra pedra, soam buzinas. No vento tudo voa. Carros
buzinam pelo ar, vidros partem-se no chão da calçada. O som chega-me aos
ouvidos. Romenos sorriem a cadelas. Rosnam piropos de amor aos bichos.
Entredentes, o brilho do ouro.
No
soalho, dois homens protegem um olho com pestanas em forma de pernas a caminhar.
No quarto, projectos de toalheiros onde toalhas penduradas são barbatanas de
peixe repousam. A meu lado um outro ser que respira também.
O
vento arranca cartas das mãos. O Rei de Ouros passa-me pelo pensamento mas o
que vejo é o seu Ás. O seu brilho ofusca-me a visão, tudo é claro, luz, tudo brilhando.
Estores devolvem-me a vista. Azul sofá. Fotos a cores e a preto e branco. Dente
amarelo. Prédios cinzentos castanho-cócó. Mobiliário de metal acimentado ao
chão. Pernas de ferro presas ao jardim não abanam com o vento, têm estruturas
de metal fixas por pés. Madeiras aparafusadas a estruturas de ferro acimentado
formam mesas, se tiverem encosto chamam-se cadeiras onde se pode sentar. Cadeiras
são mais pequenas do que as mesas onde encaixam, se não tiverem encosto são
bancos. Recuso o entardecer quando se põe o sol. Quando dou por mim tudo é luz,
tudo brilha, tudo é ouro. Folhas loucas atravessam o ar. Celulose de folha é
papel.
Padrões tigresse em leggins de miúdas friques,
jovens amigas do transporte público, dormem enroscadinhas umas nas outras,
apanham o autocarro aqui e saem em Benfica. No cheiro hediondo da
consanguinidade entre irmãs, cânticos de marinheiros irmãos. À espera que deixe
de chover para ir ao Centro de Emprego jogo às cartas no Jardim. Sentado ao Sol
com a chuva a refrescar, alheio às horas que são, sou o um dos Arquitectos do
Universo. Emissor-transmitor da telefonia. Radiotransmissão psico-activa.
Sabedoria sem fim. Estilhaços do pensamento amontoam-se no chão, e dos planos
amontoados uns, em cima dos outros, projecto o espaço a meu prazer.
Agora,
esqueço a cronologia do tempo. O brilho cega a perspectiva. O olho que caminha
tudo vê! Movimenta-se no respirar do Mundo e por ali desliza. No seu piscar, o
fim e o inicio de tudo, a relva que cresce por entre as fissuras da calçada
desaparece entre a multidão que a pisa, ouve-se Gorilaz na rádio, tomorow comes today, o amanhã…
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