quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

(Memória)

No verão passado, farto de trabalhar numa estância balnear, fugi para bem longe dali. Como o bules era de noite, rumei  a sul, meio a dormir, meio acordado. Conduzi-me por curvas e contracurvas, pestana aberta a cola e cafeína. Feita a pausa para um cigarro (cada vez fumo menos), parei no estacionamento de uma praia pronto para arrochar. Nem cinco minutos volvidos, ouvi ruídos vindos do areal. Alguém partia à machadada a esplanada da praia. Fugi a solavancar pelos buracos da estrada antes que dessem por mim.
Dormi entre os caixotes do lixo do mercado mais próximo. Portas do carro trancadas, gaivotas a acordar, saco-cama enfiado até ao cocuruto. 
Dormi noutra praia mais distante, acordei com homens passeando-se lascivos no areal, olhando, olhando-se,  abraçados, sozinhos, despidos. 
Acordei com metade do corpo ao sol, escaldão garantido, o corpo encarnado. Acordei com fome: feijoada de marisco na esplanada sentado à sombra - a água, muita água - líquidos a esquecer o calor.
Voltei à praia dos homens lascivos para um beijo à beira-mar (rapaz dos músculos retesados contra os meus), voltei à esplanada agora montada como se nada houvesse acontecido. As curvas desta vez eram perigosas. Fugiam debaixo das rodas, falsas, enganadoras (sonhos). Voltei ao trabalho, ávido para regressar.  

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