Nas
paredes das casas onde habito crescem asas de anjos com penas. Dos tijolos que
as formam, saem pernas peludas e musculadas de homens sem tronco. Bustos
indefinidos procuram formas finais. Depilam as pernas que dos tijolos saem com lâminas
presas às suas línguas. Pelos à solta preenchem o vazio. Viciam o ar. Carregam
a atmosfera com o peso do preconceito. A organização imperfeita das sociedades é
vício das formas como a mente adjectiva e compartimenta o saber nas suas gavetas
empoeiradas. O vício é descontrolo do saber. O poder controla as respostas, mas
respostas sem perguntas não são interrogações.
Construções
colectivas da realidade formam as paredes das casas onde habito. Delas não
tenho como fugir. Nelas surgem cinzeiros em salas onde não se pode fumar. Bustos
indefinidos tornam cinzeiros em focos de confronto. Formas do desconforto. Problemas
sem soluções. Quem fuma torna o cinzeiro num incentivo ao vício. Quem não fuma faz
o mesmo. Um cinzeiro é objecto e concreto. Nele há um preconceito comum de
depósito de cinza e lixo, mas à nossa volta há cinza e lixo acumulados por todo
o lado. Respostas. Um cinzeiro não é um problema, cinzeiros são formas com soluções.
Braços
que nascem do chão das salas em que habito agarram as pernas que são depiladas.
Paralisam o movimento. Braços desocupados permitem o trabalhar das línguas
armadas com lâminas que depilam pernas musculadas e peludas. Aos olhos das
faces caídas pela indefinição dos bustos, a depilação é facilidade em ver pernas
delineadas. Pernas que não andam perdem massa muscular. Pernas que não andam
são massas indefinidas, são ossos e gordura parados.
Nas
paredes das casas em que trabalho, crescem asas com penas de anjos. A liberdade
é a correcção automática da consciência. As lâminas estão nas mãos dos braços.
Cortam pão e linguiça. Ajudam a tratar alimentos que alguém há-de comer. Aliviam
o desconforto. Descontrolam o peso do poder. Nas
paredes que trabalho, a aceitação crítica do desconforto é uma fasquia a atingir.
O desconforto é um dos caminhos para a paz. Um dos caminhos sem fim. A
observação atenta do desconforto permite a libertação do inevitável, alivia-nos
do impossível, abre a porta das possibilidades infinitas do Universo. A aceitação
crítica do desconforto torna-o um pouco mais confortável. Nas paredes que
trabalho, a consciência da inevitabilidade é descontrolo do poder. É luta
activa contra as gorduras da indefinição. A longo prazo, é a prática do
movimento que define o músculo.
Há
que conhecer as coisas para as libertar. Apegados à prática comum da utilização
das coisas, esquecemos tudo o que desconhecemos. Quando estou nesta minha
descontracção, tudo acontece quando deve acontecer. As paredes abrigam
conceitos. Os conceitos são livres de preocupação. Tijolos formam paredes das
casas em que habito e trabalho.
2 comentários:
Também escreves bem quando estás feliz! Decidi comentar este porque sabes bem que não resisto à mais pequena pista de humidade.
Também escreves bem quando estás feliz! Decidi comentar este porque sabes bem que não resisto à mais pequena pista de humidade.
Postar um comentário